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Motoristas de Uber serão CLT no Brasil?

Publicado em: 31/03/2025

Motoristas de Uber serão CLT no Brasil?
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Motoristas de Uber serão CLT no Brasil?


A discussão sobre a regulamentação dos motoristas de aplicativo continua sem solução definitiva, enquanto milhares de trabalhadores enfrentam incertezas. O debate está estagnado na Câmara dos Deputados, e o Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para decidir a repercussão geral do caso, um julgamento que pode redesenhar as relações de trabalho no setor.


A incerteza jurídica e o impacto no dia a dia dos motoristas


Desde o Decreto nº 9.792, de 14 de maio de 2019, motoristas de aplicativo puderam se formalizar como Microempreendedores Individuais (MEI). Isso permitiu acesso a direitos previdenciários e emissores de nota fiscal, garantindo uma aparente segurança legal. No entanto, o modelo apresenta limitações graves: o faturamento anual não pode ultrapassar R$ 81.500, e a contribuição ao INSS é instável, muitas vezes interrompida em meses de baixo rendimento.


Sem vínculo empregatício formal, esses profissionais estão sujeitos a condições de trabalho imprevisíveis, sem férias remuneradas, 13º salário ou segurança em momentos de crise econômica. O crescimento da discussão sobre a regulamentação tem sido impulsionado pela crescente precarização e pelo gerenciamento algorítimo, que define quem recebe mais ou menos corridas sem critérios claros.


A subordinação disfarçada e o controle invisível das plataformas


Renan Kalil, procurador do trabalho, destaca que o enquadramento dos motoristas não pode se limitar ao que está escrito nos contratos. O que define a relação de trabalho é a realidade da prestação de serviço. A autonomia, tão defendida pelas plataformas, é questionável quando se observa o gerenciamento algorítimo que dita quando, onde e por quanto tempo os motoristas devem trabalhar para obter um rendimento minimamente viável.


A distribuição opaca das corridas, a suspensão de contas sem explicação e a remuneração definida unilateralmente são fatores que apontam para uma relação de subordinação. Além disso, os motoristas precisam arcar integralmente com os custos operacionais, como combustível e manutenção do veículo, sem qualquer subsídio das empresas.


Exemplos internacionais: como outros países estão lidando com a questão


A União Europeia avançou recentemente em diretrizes para regulamentar o trabalho em plataformas digitais. A Espanha aprovou a “Lei dos Riders”, que presume vínculo empregatício em certos casos. O Reino Unido classificou os motoristas da Uber como "workers", garantindo-lhes alguns direitos trabalhistas, como salário mínimo e férias pagas. Na América Latina, Chile e Uruguai adotaram medidas para garantir direitos mínimos aos trabalhadores de aplicativos, independentemente do vínculo formal.


No Brasil, apesar da ausência de uma legislação clara, o STF poderá decidir sobre o enquadramento desses trabalhadores, o que pode abrir precedentes para uma regulação mais justa.


A pressão por uma regulamentação equilibrada


Para Adriana Marcolina, diretora do DIEESE, o problema vai além do reconhecimento de um vínculo empregatício: trata-se de criar um modelo que ofereça segurança aos trabalhadores sem inviabilizar o setor. “Mesmo dentro da CLT, existem possibilidades de flexibilização, como o contrato intermitente, que poderiam se adaptar à realidade dos motoristas de aplicativos”, afirma.


Adriana também destaca a desigualdade na tributação: as plataformas ficam com uma parte significativa do lucro dos motoristas, mas não contribuem na mesma medida para a seguridade social, repassando o ônus à sociedade. Para ela, é fundamental que essas empresas sejam responsabilizadas por parte da contribuição previdenciária, garantindo proteção aos trabalhadores sem comprometer as finanças públicas.


O controle invisível dos algoritmos


Sol Correa, advogada trabalhista, reforça que o argumento de autonomia desmorona quando se analisa a dinâmica real do trabalho. "Motoristas são levados a trabalhar nos horários de maior demanda para garantir ganhos minimamente aceitáveis. A liberdade é ilusória", explica. Segundo ela, o controle exercido pelos algoritmos é tão rigoroso que chega a monitorar quantas vezes o motorista pisa no freio.


A questão central, segundo Sol, é que o modelo atual de funcionamento das plataformas traz todas as características de uma relação empregatícia sem conceder os direitos correspondentes. “Se o trabalho é organizado como um CLT, com controle, metas e sanções, mas sem os direitos que caberiam a esse trabalhador, então há uma violação clara dos direitos trabalhistas.”


Conclusão: o futuro dos motoristas de aplicativos no Brasil


A discussão sobre a regulamentação dos motoristas de aplicativo no Brasil está em um momento crítico. A decisão do STF pode abrir um novo caminho para o setor, mas a ausência de uma legislação abrangente deixa milhões de trabalhadores na incerteza.


Com a crescente pressão por um modelo que equilibre autonomia e direitos, o Brasil precisa decidir se seguirá o exemplo de países que avançaram na regulamentação ou se continuará permitindo que um setor essencial funcione às custas da precarização. Enquanto isso, os motoristas seguem enfrentando um cenário de incertezas, submetidos a um sistema que dita regras de maneira invisível, mas implacável.

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