Publicado em: 23/03/2025
Por que cabelos e unhas parecem crescer após a morte?
A imagem macabra de cadáveres com unhas e cabelos aparentemente alongados é um clichê perturbador em filmes de terror. Mas qual é a realidade por trás desse fenômeno? José Arthur Chiese, coordenador do Departamento de Genética da UFRGS, esclarece que, embora assuste, o processo está ligado à complexidade biológica da morte — um tema que mescla ciência, mistério e a inevitabilidade do fim.
A sobrevivência celular e a ilusão pós-morte
Quando o coração para e o cérebro deixa de funcionar, a morte é declarada. No entanto, como explica Chiese, as células do corpo não cessam suas atividades imediatamente. "Diferentes tipos de células possuem tempos distintos de viabilidade. É por isso que órgãos podem ser transplantados horas após a morte, desde que preservados adequadamente", destaca. Dados recentes (2023) da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos revelam que, graças a avanços tecnológicos, órgãos como rins e fígados agora podem ser mantidos viáveis por até 24 a 36 horas fora do corpo, dependendo das condições.
No caso de cabelos e unhas, o crescimento perceptível não é ilusório, mas temporário. Ele ocorre porque as células da matriz ungueal e dos folículos capilares ainda dispõem de reservas energéticas para se dividirem por algumas horas após a morte. Contudo, esse processo é efêmero. "Assim que os nutrientes armazenados se esgotam — o que varia de acordo com o metabolismo individual —, as células entram em colapso definitivo", ressalta Chiese. Estudos recentes indicam que, em média, essa atividade residual persiste por até 48 horas, embora fatores como temperatura ambiente e hidratação do corpo influenciem no ritmo.
Um lembrete sobre a fragilidade da vida
Apesar do aparente "crescimento", a realidade é sombria: o fenônio é um dos primeiros estágios da decomposição, marcado pela desidratação da pele, que retrai e expõe mais as unhas e os fios, intensificando a impressão de alongamento. Dados do Instituto Nacional de Criminalística reforçam que, em condições ambientais médias, a decomposição avançada inicia-se em três dias, apagando qualquer vestígio de atividade celular.
Chiese conclui com uma reflexão: "Essa breve continuidade das células nos lembra que a morte não é um evento instantâneo, mas um processo gradual. Ainda assim, é um lembrete cru da nossa finitude". A ciência, ao desvendar esses mecanismos, não apenas explica mitos, mas também nos convida a confrontar a delicada fronteira entre vida e morte — uma linha tênue, tão fascinante quanto inevitável.