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Endometriose: avanço diagnóstico enfrenta desafios financeiros e científicos

Publicado em: 26/03/2025

Endometriose: avanço diagnóstico enfrenta desafios financeiros e científicos
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Endometriose: avanço diagnóstico enfrenta desafios financeiros e científicos
Um teste de saliva para endometriose, disponibilizado em 80 hospitais franceses com resultados em 10 dias e custo de 839 euros (R$ 5.100), surge como esperança para milhões de mulheres. Aprovado para reembolso experimental na França, o Endotest promete reduzir o tempo médio de diagnóstico da doença, hoje de nove anos, mas esbarra em críticas sobre custo, diversidade étnica nas amostras e conflitos de interesse. Com sensibilidade de 96%, o exame detecta microRNAs na saliva ligados à endometriose, condição que afeta uma em cada dez mulheres globalmente, segundo a OMS.


Sensibilidade alta, diversidade baixa: o dilema do Endotest
A tecnologia, desenvolvida pela biofarmacêutica Ziwig, identificou a doença em 97% das 200 pacientes analisadas em estudo de 2023 publicado no NEJM Evidence. No entanto, a homogeneidade étnica das participantes – majoritariamente europeias – preocupa especialistas. “MicroRNAs variam entre populações. Sem inclusão de mulheres negras, asiáticas ou indígenas, a eficácia global fica comprometida”, alerta Márcia Mendonça Carneiro, da Febrasgo. A França incluiu 2.500 mulheres em nova fase de testes, mas a lacuna persiste: apenas 5% dos estudos globais sobre endometriose incluem diversidade racial, aponta relatório da Nature (2024).


Custo e acesso: inovação para poucos?
Enquanto o teste avança na Europa, seu preço o torna inacessível para sistemas públicos como o SUS. “No Brasil, ultrassom e ressonância já são cobertos por planos e mapeiam a doença com precisão”, ressalta Marcos Tcherniakovsky, da Sociedade Brasileira de Endometriose. A disparidade financeira é gritante: nos EUA, pesquisas sobre endometriose recebem US16milho~esanuais,contraUS 90 milhões destinados à doença de Crohn, que afeta proporção similar de pessoas. A negligência reflete um histórico de estigma: até o século XX, dores pélvicas eram atribuídas à “histeria”, termo derivado do grego para “útero”.


Subfinanciamento e estigma histórico
A escassez de investimentos perpetua o sofrimento de 190 milhões de mulheres no mundo. “Casos descartados como ‘histeria’ podem ter sido endometriose não diagnosticada”, revela estudo da Universidade de Harvard (2023). No Brasil, onde 15% das mulheres em idade fértil têm a doença, apenas 20% dos serviços públicos oferecem tratamento adequado, segundo a Febrasgo. “Faltam agências de fomento que priorizem a saúde feminina”, critica Patrick Bellellis, ginecologista do HC-USP.


O caminho para uma solução global
Apesar das ressalvas, o Endotest simboliza um avanço contra a invisibilidade da endometriose. Seus defensores defendem sua integração como terceira etapa diagnóstica, após exames clínicos e de imagem. Porém, especialistas reforçam: inovação só será efetiva com acesso universal. “Saúde pública exige equidade. Um teste caro beneficia poucos, enquanto a maioria ainda depende de métodos subutilizados”, conclui Tcherniakovsky. Enquanto isso, mulheres seguem na luta por diagnósticos ágeis e tratamentos dignos – uma batalha que, como a endometriose, ainda carece de prioridade global.

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